Por Luiz Guilherme Gerbelli e Tais Laporta, G1


O Futuro das Fintechs — Foto: Arte/G1

Os números mostram que a Creditas terá um longo caminho a percorrer se quiser entrar para valer na disputa com os grandes bancos pelo mercado de crédito brasileiro. A carteira da fintech (empresa do segmento financeiro que aplica tecnologia para melhorar suas atividades) deve encerrar o ano em R$ 500 milhões, bem abaixo da cifra bilionária oferecida pelas maiores instituições bancárias do país.

A distância para os grandes bancos, porém, não parece tão grande para o fundador e presidente da Creditas, Sergio Furio. A empresa espera liderar a fatia de crédito com garantia – que usa o bem patrimonial das pessoas para conceder empréstimos – e abocanhar 25% da modalidade.

O que justifica tanto otimismo são as taxas de juros mais baixas oferecidas do que as da concorrência tradicional e o acelerado crescimento da empresa: no ano passado, a receita líquida da Creditas cresceu sete vezes.

"O banco brasileiro tem muito pouco apetite ao risco, apesar de ter todas as taxas tão altas. E somos o contrário: temos apetite ao risco", afirma Furio.

Entrevista com o presidente da Creditas

Entrevista com o presidente da Creditas

Fundada em 2012, a empresa já recebeu aportes de diversos investidores. Em abril, o Santander InnoVentures, fundo do banco Santander que compra participações em startups, anunciou seu primeiro investimento no Brasil com um aporte na Creditas. O valor não foi revelado.

Na série O Futuro das Fintechs, o G1 publica entrevistas com líderes e fundadores de algumas das fintechs que mais cresceram no Brasil, para falar sobre regulamentação, o cenário de concorrência e os desafios para continuar crescendo no mercado brasileiro.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao G1.

Sergio Furio, fundador da Creditas — Foto: Marcelo Brandt/G1

Qual é o estágio da empresa?

Tivemos um crescimento rápido nos últimos três anos. Abrimos a empresa há quase seis anos e meio e os primeiros quatro anos foram de investimento em tecnologia, em montar uma plataforma. Em 2016, realmente provamos que aquela coisa que queríamos fazer funcionava. Somo um clássico exemplo de uma empresa exponencial. Você investe em tecnologia e, quando encontra o jeito de fazer, começa a crescer de forma acelerada: ano contra ano estamos crescendo cinco, seis vezes.

O que justifica esse crescimento?

A nossa tese é de que o brasileiro está pagando muito alto o custo da dívida. E os motivos não são fatores externos, são internos, dos próprios bancos. Os fatores externos seriam a Selic estar alta e o consumidor inadimplente. Mas a inadimplência é de 3%, e a Selic está em 6,5%. Sempre acreditamos que o motivo pelo qual isso ocorre se dá pelos custos operacionais do sistema financeiro.

A resposta que a gente dá para esse cenário são duas: uma, lógico, é tecnologia para reduzir este custo operacional. A tecnologia permite entrar na casa do cliente, sem ter de pagar um aluguel na Faria Lima. É uma operação mais enxuta que permite que o custo do crédito seja muito menor. E depois, o segundo pilar é um tipo de produto que distingue a Creditas dentro do mercado de fintechs, que é o empréstimo com garantias. Falava-se muito pouco sobre ele, mas nos Estados Unidos e na Europa, é o principal produto. A ideia é usar a propriedade das pessoas como um jeito de garantir a operação de crédito e reduzir a taxa de juros.

Sergio Furio, fundador da Creditas — Foto: Marcelo Brandt/G1

Ao contrário de outros países, o mercado no Brasil é bastante concentrado. Como a Creditas lida com esse cenário?

Eu não acredito que o problema do Brasil seja o mercado concentrado e vou dar um exemplo. Sou espanhol e na Espanha três bancos (Santander, BBVA e Caixa) têm 92% do mercado. É mais concentração do que aqui no Brasil, mas o crédito imobiliário que eu pago é de 0,39% ao ano.

Por que isso não ocorre no Brasil?

O problema não é ter poucos bancos. O problema é não ter bancos brigando para conseguir derrubar a taxa de juros para ganhar mercado. Todos os bancos brasileiros têm mais agências do que é preciso para atender o consumidor. Hoje, o celular mudou tudo. Já não precisa ir na agência bancária. O problema não é a concentração. É a falta da dinâmica concorrencial forte, o brilho no olho de um banco para conseguir participação de mercado do outro. Lá (na Espanha) as margens são muito mais estreitas, então ganhar um pouco de mercado é importante. Aqui, a margem é tão alta, o retorno sobre o capital da indústria financeira é tão alto que os bancos não querem crescer.

As fintechs têm força para mudar esse cenário?

Nos últimos dois anos, o consumidor mudou. Ele já não quer mais ir na agência. Os bancos tinham uma vantagem competitiva com as agências, mas, de repente, essa vantagem virou uma desvantagem. E quem é beneficiado com isso? Os novos entrantes. Antes, eles precisavam ter 3 mil agências e elas exigem R$ 5 bilhões em investimento. Esse é o motivo pelo qual os bancos internacionais nunca conseguiram entrar no Brasil. E o que as fintechs estão fazendo? Estão aproveitando essa mudança no comportamento do consumidor.

As fintechs vão ajudar a estimular a inovação e a renovação do sistema bancário. Elas precisam ganhar escala. O dinheiro vai vir depois. Sempre se fala que as empresas criam valor não nos primeiros 20 anos, mas nos 20 anos seguintes. Então, as fintechs não se preocupam em ganhar dinheiro hoje, mas em criar modelos que façam sentido. O valor vai ser criado daqui a 10, 12 anos. Então, isso, de repente, é uma pressão enorme nas instituições financeiras.

Sergio Furio, fundador da Creditas — Foto: Marcelo Brandt/G1

Por que é uma pressão?

Hoje, todos os bancos falam de tecnologia. Há cinco anos, eles não falavam. Falavam da expansão da rede de agências. O que estamos fazendo é acelerar este processo de migração. Os bancos vão se reinventar e vai haver ganhadores e perdedores. Os bancos entendem que existe uma tendência nova e acho que eles têm muito a ganhar, a aprender e inovar com as startups e fintechs. O banco vai virar um bicho mais parecido com as fintechs e as fintechs vão virar um bicho mais similar ao banco. Nós, por exemplo, estramos com um pedido de licença (para operar como instituição financeira) em maio. O Nubank entrou no ano passado. É uma tendência. Quando você cresce, é mais barato ter uma licença própria do que pagar para alguém fazer a emissão do crédito. É um negócio econômico.

Qual é a meta de participação nesse mercado de crédito?

A meta é não ter fim. Estamos criando uma empresa para que esteja aqui para sempre e para que daqui a 100 anos se olhe para trás e diga que a Creditas foi a companhia que mudou a cara do crédito no Brasil. Nos Estados Unidos, o crédito com garantia corresponde a 85% do mercado. Aqui não chega a 30%, incluindo o crédito imobiliário para comprar a sua casa. Nos próximos 20 anos, deve ter um processo de transição para um tipo de crédito em que vai ter muito menos empréstimo pessoal, cheque especial e cartão de crédito, mas vai ter muito mais crédito com garantia.

Mas a migração para este tipo de crédito tem força para ocorrer?

Achamos que este tipo de crédito vai virar um tipo majoritário porque o brasileiro tem imóveis e veículos. São 35 milhões de veículos e 55 milhões de residências. A maior parte de tudo isso está quitada. Vai haver uma transição do mercado de um produto de baixa qualidade para um produto de alta qualidade, que é o crédito com garantia. E achamos que vamos ser o líder deste mercado. Vamos liderar o mercado de crédito com garantia. Vamos tentar ter uma participação de mercado (de crédito com garantia) de 25%.

Qual é o tamanho da carteira da Creditas?

A Creditas vai acabar este ano com R$ 500 milhões. A nossa receita líquida vai crescer mais de cinco vezes em relação ao ano passado. No ano passado, já cresceu sete vezes em relação a 2016.

Sergio Furio, fundador da Creditas — Foto: Marcelo Brandt/G1

Vocês pretendem criar outras modalidades de crédito?

A gente começou pela garantia mais óbvia, que é a casa, depois com veículo. Estamos trabalhando em um novo produto, em uma nova categoria, esperamos que ela seja lançada no primeiro trimestre. Mas na nossa filosofia não faz sentido fazer um crédito sem garantia, não faz e com qualquer ativo que você tenha, uma mesa. Vamos usar esta mesa como garantia para tentar um crédito mais barato. Às vezes, o consumidor tem aquele medo e diz: 'se não pago, posso perder aquela casa, aquele veículo’. E é verdade. Só que a nossa taxa de inadimplência é de 1%. Então, 99% dos clientes estão economizando muito dinheiro e só 1% está perdendo.

A Creditas cresceu num ambiente bastante difícil para a economia. Qual é perspectiva para os próximos anos?

A Creditas cresceu menos do que poderia por causa do cenário de crise. A crise fez o desemprego ir para o teto, e o mercado de capitais tem menos apetite para investir. Com o desemprego, tem menos gente que pode tomar um crédito, não tem fluxo de caixa e a gente não pode emprestar para ela. Segundo, a gente vira mais conservador. Uma pessoa que hoje pode ter trabalho amanhã pode estar desempregada. A crise faz com que tudo isso vá para dentro do seu modelo de crédito.

E do ponto de vista do investidor? Qual foi o impacto?

Somos uma empresa de tecnologia e que cria uma experiência para o usuário de tecnologia muito mais barata. Quando a gente emite o crédito, buscamos recursos para estas operações no mercado de capitais. São investidores institucionais, profissionais, assets e family offices. Quando o mercado está em crise, o apetite desse pessoal é menor, logo eu tenho de pagar mais este pessoal. Em um cenário de expansão econômica tudo isso muda a favor. O banco brasileiro tem muito pouco apetite ao risco, apesar de ter todas as taxas tão altas. E somos o contrário: temos apetite ao risco. Se você elimina todos os custos das operações de crédito, o que sobre lá dentro é muita margem. Então, você quer arriscar. O fim da recessão e esperemos uma expansão forte nos próximos dois, três anos só vai trazer benefício.

Sergio Furio, fundador da Creditas — Foto: Marcelo Brandt/G1

Mas como esta melhora da economia pode se traduzir na prática para o mercado de crédito?

O preço do mercado imobiliário está parado há quatro anos. Quem comprou um imóvel há cinco anos não está gerando equity (valor). Agora, imagine que, com a expansão econômica, o preço do mercado imobiliário comece a subir 10% ao ano, por exemplo. Em três anos, você tem 30% de colchão. Isso permite que se use mais a garantia.

A recessão não é boa para ninguém. No momento da recessão, os bancos colocam mais freio, então você aproveita uma janela de oportunidade para entrar e criar um modelo de negócio num momento de muita tensão. A parte boa é que todas as fintechs que foram criadas se beneficiam de um ponto de partida muito ruim. Você não partiu de um ponto em que tudo é ótimo, uma delícia e que está com medo de que o negócio vai explodir quando chegar a recessão. Isso não acontece porque o modelo de negócio foi criado na maior recessão dos últimos 20 anos.

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